Como foi planejar uma volta ao mundo sem usar a própria grana?
Logo após eu decidir que iria fazer uma volta ao mundo de bicicleta me deparei com os problemas que todos os aqueles que querem colocar ideias e sonhos em prática se deparam. Um desses problemas era justamente a grana. Percebi que por mais que eu economizasse em minha viagem ainda precisaria de mais dinheiro do que eu tinha. Assim, antes mesmo de ir para a estrada, me vi diante a uma bifurcação em minha rota: poderia trabalhar bastante, economizar e juntar todo o dinheiro que eu precisaria para fazer a viagem ou poderia desenvolver um projeto maior com o qual eu poderia arriscar parcerias e inclusive patrocínios para bancar o projeto.
Ambos as alternativas tinham suas vantagens e complicações. No meu caso, o problema em juntar dinheiro para então ir viajar é que eu precisaria de anos economizando e nada me garantia que quando eu tivesse o dinheiro ainda teria o mesmo entusiasmo que tinha naquele momento. Por isso optei pela via rápida e mais arriscada indo atrás de um patrocínio. Nasceu então o Pedal na Estrada, que mais que uma volta ao mundo de bicicleta era também uma estratégia de ensino a distância. Entrei de cabeça nesse projeto e investi tudo o que eu tinha nele. Com um pouco de suor e sorte consegui boas parcerias e o tão esperado patrocínio que tirou a viagem do papel e me fez colocar a bicicleta na estrada. Acreditei tanto no Pedal na Estrada que no dia 3 de abril de 2006, quando a viagem começou, havia gastado todo meu dinheiro e ia para o mundo com apenas R$ 50,00 no bolso, mas ia aliviado, sabendo que logo o patrocinador iria começar a me pagar e eu não precisaria mais me preocupar com dinheiro por um bom tempo.
Como surgiu a ideia de dar a volta ao mundo de bike?
O Pedal na Estrada surgiu quando juntei algumas paixões pessoais num só projeto. Primeiro entrou a bicicleta, que eu percebi que fazia parte de minha vida desde meus quatro anos de idade. Depois veio a viagem, mais no sentido da aventura, do ato de cair na estrada, de não saber o dia de amanhã e, muitas vezes, nem o próximo destino. E por fim, amarrei essas duas vontades com a intenção de compartilhar minhas experiências com todas as pessoas, especialmente os estudantes, que poderiam tirar maior proveito das informações geradas através dessa viagem.
O projeto de ensino à distância, não só foi um dos pilares do Pedal na Estrada, como foi seu maior patrimônio. Enquanto viajava recebia constantemente e-mails com perguntas e mensagens de apoio de estudantes de diversos cantos do Brasil e até de outros países. Quando me sentia cansado e desmotivado, bastava olhar aquelas mensagens que imediatamente ganhava energia para continuar viajando.
Quanto tempo passou entre ter a vontade e o dia da partida? E quanto tempo de preparação ou busca de apoio?
Não sei dizer exatamente quando surgiu a vontade de realizar tal viagem, diria mais que ela foi construída aos poucos, conforme eu incluía a bicicleta em meu estilo de vida. Durante a faculdade comecei a realizar viagens de bicicleta e lembro que um dia soube que um alemão havia concluído uma volta ao mundo de bicicleta, aquilo me intrigou e me encantou ao mesmo tempo, pois até então não imaginava ser possível realizar tal façanha.
Em meados de 2005, quando já estava formado, percebi que vivia um momento propício em minha vida para realizar uma longa viagem e então disse para mim mesmo que iria realizar aquela viagem, de uma forma ou de outra. Essa decisão foi fundamental para o sucesso do projeto, pois sabia que iria, mas também sabia que quanto maior fosse meu sucesso ao planejar e estruturar o Pedal na Estrada, melhores seriam minhas condições na estrada. Levei 10 meses do dia que decidi dar a volta ao mundo até o dia que eu literalmente fui para a estrada.
Desde o começo a ideia sempre foi buscar um patrocínio?
A ideia de conseguir um patrocínio surgiu num segundo momento do projeto, quando percebi que apesar de muita disposição, eu não tinha o dinheiro necessário para fazer uma viagem como a que eu estava propondo. Após estimar os gastos da viagem, conclui que um patrocinador seria necessário. Iria viajar de qualquer forma, mas o patrocínio garantiria o projeto educacional que eu me propus a realizar, assim como uma fluidez da viagem, pois sabia que com isso não precisaria parar em algum país para trabalhar e correr o risco de nunca concluir essa volta ao mundo.
Conte um pouco como foi esse processo.
Ir atrás de patrocínio foi algo inteiramente novo para mim na época, pois nunca havia feito isso e tampouco tinha amigos que conheciam o caminho da captação de recursos. O primeiro passo foi estudar e me informar sobre o funcionamento e a possibilidade de conseguir um patrocinador. Percebi que teria que ser um pouco vendedor e bater de porta em porta em busca de um financiador, assim como falar a linguagem das pessoas que me atendiam. Mais que isso, tinha que mostrar que o Pedal na Estrada iria dar um retorno maior que o gasto que eles teriam com esse projeto.
O formato de patrocínio que deu certo foi o primeiro que você bolou, ou foi ajustando conforme as conversas?
O projeto sofreu diversas alterações durante a fase de captação de recursos, mas o formato de patrocínio se manteve muito parecido àquele que eu havia estipulado inicialmente. Usei o sistema de cotas, assim o patrocinador tinha a opção de pegar uma ou mais cotas, conforme o seu interesse.
O que você acha que fez o seu dar certo?
Foi o fato de perceber que ninguém dar dinheiro para um desconhecido realizar uma viagem, independente de quão interessante ela fosse. Notei que tinha que estruturar muito bem o meu projeto para ganhar credibilidade e passar segurança às empresas que eu visitava. Assim teci diversas parcerias com ONGs e diversas escolas, que antes mesmo da viagem começar, já estavam comprometidos com o Pedal na Estrada. Isso deu força para o projeto, que passou a ser visto com outros olhos por parte das empresas.
Quantos nãos você ouviu? Como eram as respostas?
Ouvi muitos nãos e confesso que já esperava por eles. Pior que ouvir um não é ouvir um quase sim. O que mais eu ouvia eram respostas nebulosas, como “gostamos muito do seu projeto e ele se encaixa no perfil de nossa empresa, mas antes preciso conversar com o presidente, pois só ele pode dar a resposta final. Na semana que vem entrarei em contato com você.” Até hoje estou esperando a resposta final. O maior problema desse tipo de posição é que ela cria uma falsa expectativa, que acarreta num gasto de tempo e energia que poderia ser melhor empregado em outra parceria.
O que foi o melhor da viagem?
O melhor da viagem foi a sensação de liberdade de poder ir para onde quiser, de não ter rotina, de ser senhor de seu próprio destino, assim como poder ver o mundo e a si próprio sob um novo ponto de vista, poder conhecer e viver outras culturas, além de conhecer milhares de novas pessoas.
E qual o momento mais difícil?
Uma viagem como essa é uma espécie de vida em miniatura: há momentos bons e ruins. Por se tratar de um estilo de vida muito instável e incerto, há que se estar preparado para enfrentar as dificuldades do caminho e isso é normal. Pior que os momentos mais difíceis são aqueles em que não se acredita que é possível superar determinada dificuldade, quando se deixa de acreditar em si próprio, esse é o maior risco. Nesses momentos as dificuldades podem parecer maiores do que realmente são.
Faltou grana em algum momento durante a viagem? Como você se virou?
Apesar da viagem ter durado 8 meses a mais que o planejado, chegando a 3 anos e 2 meses, e estes meses excedentes não contarem com um patrocínio como os anteriores, eu havia me planejado bem e feito uma reserva de dinheiro para algum imprevisto. Nos últimos meses tive que economizar bastante, ainda mais pelo fato da viagem ter como seu último continente a Europa, onde tudo é mais caro. Cheguei com uma mão na frente e outra atrás no Brasil, mas completei o que me propus a fazer.
Quando estava na Nova Zelândia perdi meu cartão de crédito, assim não tinha como sacar dinheiro. Tive que esperar 3 semanas até um novo cartão chegar. Nesse período sobrevivi sem dinheiro algum. Fingia que estava hospedado num grande albergue e dormia toda noite no sofá do local sem ser notado, durante o dia distribuía panfletos em troca do almoço e sempre ficava atento à sessão chamada free food onde as pessoas que saiam do país deixavam a comida que não tinham comido. Mesmo sem dinheiro, sobrevivi bem durante essas 3 semanas.
Acampou sempre, ou deu pra gastar com albergues e hoteis?
Acampei, me hospedei em albergues e hotéis baratos e também fiquei na casa das população local. Dependendo do país, do clima e da situação, escolhia entre essas possibilidades. Em países baratos ficar num hotel custava muito pouco e ali aproveitava para recarregar minhas baterias e as baterias dos equipamentos que eu levava comigo. Ficar na casa da população local também era uma grande experiência, pois conhecia a cultura viva de cada região. Acampava geralmente quando nenhuma dessas opções era boa.
Qual o país mais caro e o mais barato porque passou?
O continente mais caro foi a Europa, quase todos os países eram bem caros, creio que especialmente a França e a Inglaterra. Já os mais baratos estão na Ásia, Índia e Bangladesh eram incrivelmente baratos.
Foi mais fácil dar a volta ao mundo ou escrever o livro? O que você destacaria no livro que acha interessante para quem tem o mesmo desejo?
São atividades diferentes, assim evito comparar os dois. Escrever o livro O Mundo ao Lado foi como viajar novamente e trazer diversas lembranças à tona. Foi um processo intenso e de grande sinceridade, onde eu condensei toda a viagem, relatando especialmente os momentos mais marcantes, que geralmente são os mais difíceis.
Quem tem o desejo de realizar uma volta ao mundo de bicicleta pode encontrar no livro O Mundo ao Lado um pouco da realidade de pedalar pelo mundo, assim como aprender com os erros deste viajante.
Que dica você daria a um amigo se ele decidisse fazer uma volta ao mundo de bike?
A dica é: não espere um milagre cair do céu para ir para o mundo. Sempre há o que melhorar: condicionamento, equipamento, condição financeira… enfim, somos nós que fazemos o momento certo. O primeiro passo é colocar o que precisa ser feito no papel e traçar uma meta e uma data para sair. O resto é muita transpiração, com um pouco de vento da cara para aliviar, e muitas pedaladas.
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