Pedal Atlântico
Uma rota plana, cheia de praias e barata. Assim é o pedal de Vitória a Arraial do Cabo no Rio de Janeiro.
O nome Pedal Atlântico só me ocorreu no meio da viagem quando me deparei com a quarta ou quinta placa de rua dizendo “Av. Atlântica”. Praticamente todas as avenidas do litoral sul do Espírito Santo tem esse nome. Quando a avenida some você passa a pedalar na areia, mas quase sempre o oceano Atlântico está à vista.
A ideia dessa viagem começou quando eu ouvi um amigo comentar sobre o pedal entre Vitória e Rio. Começar e terminar em capitais sempre facilita a chegada e saída. Comecei a pesquisar e me animei ao perceber que era pedalar pela orla praticamente o tempo todo. Isto bastou para armar a viagem. Separei os dias, a grana e fui. Quanto ao planejamento, o máximo que fiz foi imprimir imagens do Google Earth para ter uma base e poder perguntar em terra pelos caminhos sem ser mandando direto para estrada. Essa é uma questão que se repetiu por todo o caminho, toda vez que dizíamos a cidade da frente, as indicações das pessoas era para a BR 101, a estrada. Se não tivesse uma foto para me dizer que deveria perguntar por uma estrada que passava mais perto do mar, ele teria ficado longe sempre.
Com meu kit pronto, marquei a data e avisei a Regina, uma amiga e madrinha do Onde Pedalar. No dia marcado lá estava eu à espera dela no aeroporto de Vitória sendo interpelado pela segurança porque estava com a bike dentro do saguão. Foram duas tentativas de me tirar de lá, sempre retruquei que a bike tinha acabado de desembarcar comigo e eu estava ali à espera de outro voo. Era a verdade; a Regina vinha do Rio. Pra completar eu alegava que era meu carrinho de bagagem. Se as pessoas podem empilhar quatro malas num carrinho e ocupar um espaço maior que minha magrela no saguão, porque eu não posso carregar meus alforjes pendurados na bike. Funcionou.
Rumo sul
Outra coisa que o mapa de satélite não mostra é onde você não pode passar de bike nas cidades. Vitória é relativamente simples de achar. Saindo do aeroporto é só virar a primeira esquerda e descer até o mar. A praia é maravilhosa e o pedal começou num belo domingo de sol. Claro que antes de apontarmos a bike ao sul, já tínhamos sido parados duas vezes para o famoso “vem da onde, vai pra onde”. E foi justamente nesses papos que ficamos sabendo que bike não pode passar pela ponte nova que liga a capital a Vila Velha. Teríamos que ir até o centro da cidade e atravessar por uma das pontes antigas, onde a região não é muito indicada para turistas desavisados. Aconselharam-nos a requisitar um taxi para deficientes, botar a bike dentro e atravessar a ponte nova. Foi nessa hora que percebi que sair sem planejar demais ou tentar falar com ciclistas locais é mancada.
Mas como o anjo da guarda dos cicloturistas é forte, nem bem chegamos ao fim da primeira praia, onde teríamos que negociar como fazer para atravessar, apareceu outro pra bater papo. Fala daqui, história de lá e pronto. Arrumamos uma carona com o Jorge. Sabe como é, anjo e santo tem alguma forma de comunicação direta, mandou logo um guerreiro. Ele nos atravessou pela ponte e nos deu todas as dicas que faltavam para começar bem a viagem. No começo da tarde já estávamos rumando em direção a Guarapari pela Rodovia do Sol. Depois de toda a orla de Vila Velha, há duas opções: com a maré baixa, ir pela praia que seria o Caminho Passos de Anchieta, ou seguir pela rodovia. Como já era de tarde, optamos pela rodovia para chegar ainda com luz à cidade, pois o trecho era de cinquenta quilômetros. Mesmo para quem vai pela estrada, uma opção é voltar à areia no parque estadual, que você encontra pouco depois do meio do caminho, e seguir a beira mar até a cidade. Mas nem isso arriscamos devido ao tempo. Em agosto a luz ainda cai por volta das seis da tarde.
A partir de Guarapari o pedal ficou mais gostoso. Cidades pequenas, estradas sem muito movimento e o mar sempre próximo. Para quem não quer arriscar o centro ou a periferia de Vitória, regiões que podem oferecer algum risco, pular direto de ônibus para essa primeira cidade do litoral sul é uma boa pedida.
Guarapari é uma extensão da orla de Vitória que vimos ao sair do aeroporto. Uma cidade de veraneio como outras no Brasil, mas com belas praias. Ao deixar o balneário, vamos encontrando pequenas faixas de areia escondidas entre as curvas da estrada e a viagem começa a mostrar coisas diferentes de um litoral ainda pouco explorado. A última praia da cidade já mostra como será o litoral, areia grossa de com uma cor intensa que às vezes até parece terra e muitas árvores produzindo um sombreado pra lá de convidativo. Não tem como não parar em cada novo canto encontrado pra fazer uma foto ou ao menos não fazer nada por cinco minutos.
Caminho Passos de Anchieta
De Vila Velha até a cidade de Anchieta, o trecho é sinalizado como rota peregrina. São pouco mais de cem quilômetros que, de bike, fazemos em dois dias, mas para os caminhantes chega a cinco. É uma rota tranquila que, com maré baixa, dá para fazer de bike boa parte pela areia.
Seguindo as placas você ficará sempre bem perto do mar. Elas também te levam a becos que ajudam a cortar caminho e a te mostrar belas paisagens. Dependendo da maré há lugares onde várias piscinas naturais se formam e as formações rochosas rendem belas fotos. O santuário onde o Padre Anchieta viveu seus últimos dias só tem uma igreja para ser visitada. Ela fica sobre uma colina que exige certo fôlego pra subir pedalando.
Litoral de outros tempos
De Piúma em diante encontramos vários balneários que já tiveram sua época de ouro. Dá pra ver pelas construções dos anos 50 e 60 que essa região já teve outros carnavais. Hoje, algumas partes das recorrentes avenidas Atlânticas, que foram asfaltadas de qualquer maneira nos anos 70 e 80, estão sendo remodeladas para formar uma orla mais convidativa para o passeio a beira mar sem carro.
Marataizes é o melhor exemplo disso. Um recente quebra mar foi construído para preservar a faixa de areia, pois, com o vento e a ocupação desordenada, o mar estava engolindo a avenida.
Deixando Marataizes o passeio fica com cara de interior até Macaé. Para deixar a cidade é preciso insistir em achar a estrada que vai a beira mar em direção às lagoas. Todo morador perguntado apontava direto pra BR quando você diz que está indo para o Rio. Desse ponto até parece que as pessoas se esquecem de um trecho do litoral e só pensam em Campos dos Goitacazes.
As lagoas são praticamente um bairro da cidade. É só você seguir pela praia que no fim da faixa de areia e vai encontrar uma estrada de terra com indicação para Lagoa do Siri. Essa é a única com jeito de balneário. As outras mais dão nomes aos bairros do que beleza aos olhos de quem passa. O que você vai encontrar primeiro é o bairro dos Dantas. Basta seguir as ruas mais batidas que a estrada volta a te levar para perto do mar.
A Lagoa do Siri tem uma infraestrutura de balneário é rende boas fotos. A partir dela, voltamos a pedalar por uma estrada que passa por várias chácaras e lembra uma montanha russa. Para quem estava pedalando há dias só no plano, as subidinhas parecem um balde de água fria na tranquilidade que estava até aquele ponto.
Mas há uma opção. Com a maré baixa, não tenha dúvidas, vá para a areia. Você irá se deslumbrar com os paredões de terra a beira mar e deixa de fazer esforço. São cerca de cinco quilômetros com o melhor visual de toda a rota, as cores variam de rosa para amarelo ou algo parecido. Tentar nomear que estamos vendo passa a ser a diversão enquanto pedalamos. Assim que acabam os paredões, o estado do Espírito Santo está quase no fim. Pouco depois voltamos para a estrada para atravessar o Rio São Francisco por uma ponte mais acima e entramos no Rio de Janeiro.
O comecinho do litoral norte do Rio é estranho, não tem jeito fluminense, não tem cara de Rio de Janeiro. A região é plana e até árida. O vento tem muito a ver com isso. Nesse cotovelo do mapa ele é implacável. A prova vem quando chegamos em Grussaí para a travessia do Paraíba do Sul. Várias torres de geração de energia eólica são a prova de que vento não vai faltar.
A travessia do Paraíba do sul é divertida e fácil. Seguimos pela rua principal de Grussaí e perguntando onde tem barco pra atravessar. Indicam-nos um ao lado de um posto de gasolina. São vários canais do rio que margeiam as ruas da cidade. Avisto o posto de longe e vou chegando, mas nada de indicação de rio. Quase passando dele é que vejo uma viela com os barqueiros ao fundo. São voadeiras para navegação em baixa profundidade que fazem a travessia de pedestres. O custo é baixo, cerca de dez reais, para os quarenta minutos de viagem fazendo um zigue-zague pelo delta do rio até São João da Barra.
Campos e Açu
São João fica uns dez quilômetros longe do mar, mas é a travessia mais próxima. A opção é ir para Campos que está cerca de cinquenta quilômetros rio acima e ainda enfrentar o trânsito da BR 101. Logo que desembarcamos rumamos leste novamente até achar o mar. O centro da cidade é agitado e fomos atrás de pousadas mais tranquilas. E isso só encontramos perto do mar.
Essa região do Rio é outra que parece esquecida há muito tempo. Até os mapas rodoviários que baixei no GPS não mostravam o que achamos de estrada pela região. A vontade inicial era fazer o cotovelo pela areia, mas como não havia informação se haveria pousada na Barra do Furado, fiquei com receio de enfrentar os setenta quilômetros desse contorno pela areia sem saber se teria pouso certo depois. Mas tem.
Decidimos ir por dentro dos campos onde havia estradas definidas e cidades de apoio certas. Seguimos em direção a Campos até achar uma entrada para o porto do Açu, ainda em construção. Nesse ponto nos voltamos novamente ao sul e brigamos o resto do dia com o vento contra até chegar ao Farol de São Thomé. Foi a única parte até então da viagem que ficamos mais longe do mar.
Búzios
Saindo do Farol de São Thomé, mais uma vez a via pela praia ficou duvidosa. Como não havia registros de quem tivesse feito pela areia até Macaé e estrada tão pouco aparecia nos mapas. Seguimos rumo a Quissamã. Pela praia seria necessário acampar no meio do caminho e isso estava fora dos planos. Isso sem contar que não tínhamos a certeza de poder atravessar tudo. Pelo interior quebramos o trecho e fizemos uma parada antes de Macaé para no dia seguinte seguir direto até Búzios.
Passar batido por Macaé e Rio das Ostras foi porque depois de vários dias pedalando na tranquilidade, a o clima se inverteu. Só nos restava acostamento de estrada bem movimentada já que o litoral nessa região já é todo recortado. Assim que chegamos nos arredores de Macaé ficou estressante. Com isso, tocamos forte e completamos 100 km redondo até a pousada no canto esquerdo de Búzios. Isso lá pelas 8 da noite.
No outro dia, para compensar, enrolamos a manhã passeando por Búzios antes de seguir à tarde para Arraial do Cabo. Apesar de toda a beleza do local, a cidade não é muito amiga das bikes. O único trecho mais tranquilo para pedalar foi a ligação com Cabo Frio.
Havia ainda a vontade de finalizar no Rio de Janeiro, mas a partir de Arraial a areia é fofa na maioria do trecho e só resta uma estrada já toda habitada nas laterais e sem acostamento. A opção era seguir pela estrada estadual, com movimento relativamente calmo. Mas depois de 10 dias tranquilos, não estávamos a fim de estresse. E como acumular quilometragem não era o foco, finalizamos em Arraial do Cabo. Até porque, Cabo Frio, ali do lado tem conexão direta para São Paulo e me pareceu ideal.
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