Três praias, três Ilhas em três dias de pedal
Feriado de setembro chegando, vontade de pedalar crescendo e pouco dinheiro pra viajar. Foi essa combinação que me levou ao litoral sul de São Paulo para voltar pedalando ao Paraná. Já conhecia as ilhas das Peças e Superagui e lido relatos sobre o Lagamar. Juntei tudo isso com a descoberta de um ônibus direto de Curitiba para Iguape e parti numa véspera de feriado.
Ainda não era verão oficialmente, mas, na prática, o calor dá o ar da graça. Com isso os ventos predominantes são de noroeste e por esse motivo escolhi rumar sul pelas praias. Os horários dos ônibus a partir de Curitiba também ajudavam. Parti numa tarde de sexta e cheguei no fim do dia a Iguape.
A cidade é separada da Ilha Comprida por um canal e é a porta de entrada norte para as praias da região. Mais ao norte a reserva da Juréia divide o litoral sul isolando esse pedaço de Peruíbe e outras praias mais ao norte. Basta cruzar uma ponte sem pagar pedágio por estar de bike e você está sobre uma faixa de areia de sessenta quilômetros com saída só para o sul.
O vento estava no sentido certo, a areia dura o suficiente para não amarrar a bike e o sol na temperatura certa. Troquei o capacete por um chapéu de aba para proteger melhor e pedalei na maior calma do mundo. De tempos em tempos aparecia um rio para atravessar e refrescar. Somente num deles foi necessário um planejamento maior. Deixei a bike na margem e fui investigar onde daria para passar melhor. Mas quando me preparava para testar a profundidade sem a bike, um motoqueiro apareceu no horizonte e em segundos já rasgava o riacho espalhando água pra todos os lados, mostrando onde era mais raso.
Ao ver a bike com alforjes, parou e puxou o famoso: vem de onde? E antes que eu respondesse por completo já estava dizendo que gostaria de fazer uma viagem de bike algum dia. Pelo que o vi fazer com a moto, não botei muita fé no que dizia. Tava na cara que ele adorava aventuras, mas não me pareceu que teria paciência para contemplar a praia como eu estava fazendo naquele dia. Resolveu reforçar a ajuda me mostrando novamente o ponto mais raso do rio, mas entrou com tanta força na água que perdeu um dos chinelos na correnteza. Só fui entender o que aconteceu quando ele parou a moto do outro lado e se jogou na água pescando o calçado perdido. Deu um tchauzinho e saiu levantando areia do outro lado.
Primeiro barco
No fim da Ilha Comprida há uma balsa para o continente. Cheguei a Cananéia no fim da tarde e, sem perder muito tempo, achei uma pousada no centro mesmo para aproveitar ao máximo o fim de tarde perto da água. As cores do fim do dia somadas aos recortes dos barcos ancorados promovem um festival de fotografias.
Entre uma foto e outra não perdi tempo em achar um transporte para a Ilha do Cardoso no dia seguinte. Como estava só e não queria arcar com o custo total de uma voadeira. Assim fui visitando todos os piloteiros que encontrei vendo se não havia outra pessoa para dividir o custo. Achei uma mulher que sabia de um morador de Marujá que estava na cidade e voltaria no dia seguinte, de quebra ela tinha um gringo extra pra reduzir ainda mais o custo.
Não saí tão cedo como queria, mas economizei uma boa grana. Por volta das dez, a magrela já estava deslizando sobre as águas do canal. O barco é rápido, mas mesmo assim leva certo tempo para chegar à vila de Marujá. Cheguei por lá com cheirinho de almoço no ar. E, pelo fato de ser uma carona paga, não deu para parar na cachoeira antes da vila.
Na Ilha do Cardoso são dois núcleos para visitação. Para pedalar só o Marujá dá acesso a quase vinte quilômetros de praia com acesso ao Paraná. Como pressa não era o caso e era preciso acertar o pedal com a lua, fiquei uma noite na vila. Ajustar o horário tem a ver com a maré. Desse ponto em diante sabia que precisaria passar pela Barra do Ararapira com a água baixa.
Só não contava em ser contaminado com a tranquilidade geral que impera por esses cantos. Passei uma tarde inteira lagarteando. O resultado foi uma preguiça geral no dia seguinte e mesmo sabendo da hora, abusei. Saí tarde da pousada e tive que enrolar mais uma tarde inteira à espera da hora para passar pela barra.
Segundo barco, ou melhor, uma canoa.
A praia é curta, mas muito especial, a melhor de toda a viagem. Exceto por uma pessoa caminhando e parecendo perdida em seus pensamentos, só encontrei siris correndo pela praia. Resolvi bater um pega-pega com um desses bichinhos em prol de uma foto para mostrar aos meus companheiros de viagem. Com isso, mais atraso, pois tomei baile e demorei. O bichinho é arisco até a última pata.
Cheguei ao fim da praia e dei sorte de encontrar um pescador na minha margem do canal. Dez reais negociados para a travessia e fomos pro outro lado. A aparência é de um rio calmo, mas ao ver a canoa achei que ia ser peso demais levar bike, ciclista e remador. “Tranquilo”, disse o moleque. Fui, mas tirei os alforjes para coloca-los no fundo da canoa pra lastrear. Não ia ficar em paz com eles balançando como bandeiras sobre a água. Ainda mais porque o povo ali tem a mania de remar em pé. Passei todo o tempo de olho na linha d’água que passava um centímetro abaixo da borda da canoa.
Do outro lado tive que apertar o passo para tentar atravessar o riacho e a ponta da barra antes da maré encher de vez. O primeiro deu, mas na virada para a praia, refuguei. O rio que desemboca no canal tem cerca de 50 cm de profundidade, mas com alguns buracos. Com a maré alta fica complicado achar o mais raso. Para me garantir, tirei os alforjes para carregar a bike mais facilmente. Carregada ela te derruba se você pisar em falso. Levei a bike na primeira viagem e na volta saí um pouco mais pra fora do rio e percebi que ficou mais raso. Na segunda viagem, achei que indo pouco mais para o canal poderia ficar mais raso ainda, encontrei foi um buraco e a água bateu no queixo.
Remontei a bike e acelerei, mas ao chegar quase de frente ao mar só vi água a minha frente. Nesse ponto da barra, nos últimos anos, o mar vem comendo a areia rapidamente. Para passar sem água só na maré de lua (cheia ou nova) e na hora certa. Conversando com os pescadores eles me falaram das trilhas que abriram por cima do barranco. Joguei a bike pra cima e fui atrás. Achei, mas a primeira saída ainda dava na água e nada de aparecer a praia. Com isso eu não conseguia saber o quanto teria que andar com água na cintura até achar só areia. Tentei seguir pela trilha mais ao sul para tentar sair na areia, mas achei só mato fechado. Havia uma picada, mas esqueceram de avisar quem a abriu que guidão de bike é largo e com os corninhos que colocamos a coisa era um enrosco só. Voltei e esperei.
Sentei no barranco e fiquei admirando o movimento da maré. Por várias vezes me peguei tentando adivinhar se a maré estava cheia, ainda enchendo ou vazando. Teria sido um bom exercício de meditação se não fossem as mutucas. Era feriado de finados e como ainda não havia esquentado de vez, achei que ainda daria pra passar ileso por elas. Elas eclodem com as primeiras ondas de calor e duram um mês. Nesse tempo só pele de caiçara suporta ou não atraí as ditas. Eu precisei virar uma múmia. Peguei todas as roupas que podia e cobri toda a pele. Só assim pude me concentrar nas ondinhas que iam e vinham.
Superagui e barco 3
Depois de perder a conta das ondas infinitas vezes, comecei a perceber a areia da praia reaparecendo indicando que já dava pé. Foi a chave para me preparar para virar a barra e pedalar forte até a vila do Superagui antes de escurecer.
Desci a bike do barranco e fui driblando a vegetação seca que fica dentro da água salgada depois de desbarrancada. Achei que estava há uns 300 metros da praia, mas ao sair um pouco e ainda com água só na canela, vi minha terceira praia há poucos metros de mim. Estava pertinho, mas sem saber o que tinha sob as ondas e estando sozinho, não arrisquei, mas daria para ter saído muito antes.
Com tudo em areia firme, pedalei pra valer. A ilha do Superaguí já era uma velha conhecida, por isso acelerei. No início da noite cheguei ao lado do canal onde está a vila. Depois de negociar uma cama para a noite, fui atrás de atender ao estômago e, no meio do caminho, acertei o último passeio de barco para a magrela. No dia seguinte, em horário de pescador (ainda escuro), um barco iria direto para Paranaguá. A opção seria atravessar o canal para a Ilha das Peças, pedalar mais dez quilômetros e pegar a barca de linha que faz Guaraqueçaba-Paranaguá. Mas como já conhecia esse pedaço do Lagamar, com a grana mais curta ainda e já com a cota de aventura para o feriado completa, decidi encurtar o caminho para casa pulando uma praia. Ou melhor, deixando para outra visita, pois esse lugar merece ser visitado sempre e sem pressa.
Obs: Viagem feita em 2006 – Parte da praia da ilha do Cardoso já sumiu.
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