Ele já ensinou mais de 2500 pessoas a pedalar. A maioria adultos.
“Imaginem! Quem diria?! Eu, uma sexagenária, aprender a andar de bicicleta! Isso só se tornou possível graças ao Américo, não o Vespúcio, o desbravador, mas uma amazonense que já desbravou a Transamazônica de bicicleta, é claro!”. Assim começa o relato de Rose De Rossi após aprender a pedalar com Américo Vieira em Curitiba.
São inúmeros relatos de adultos e crianças desde que ele abriu a escolinha há 17 anos. Com sua técnica ele já fez mais de 2500 pessoas sentirem o gostinho do vento ao deslizar com uma bicicleta. O que chama a atenção é que a maioria é composta de adultos, muitos deles com mais de sessenta anos. Todos que realmente decidiram pedalar saíram de lá rodando e com um sorriso estampado no rosto. Quando a pessoa demonstra ter vontade real, o método do Américo é infalível. Ele sempre dá um jeito de encantar as bikes ou os ciclistas, e a coisa funciona.
Conheci o Américo passeando pela ciclovia numa tarde de sábado. Logo no próximo passeio organizado por ele, eu já estava lá para conhecer melhor os arredores de Curitiba. Foi no almoço após esse passeio que ouvi histórias de alunos ciclistas que começaram a pedalar tarde na vida e já estavam percorrendo 50 km e fazendo muita festa no meio da turma. Sugeri a matéria para algumas revistas da Editora Abril e emplaquei na Vida Simples. Isso foi há seis anos. Depois dessa matéria muitos outros alunos apareceram. A aluna que entrevistei para essa matéria relatava que antes ela levava os netos ao parque e ficava só espiando eles andarem de bike, depois de passar pela Bike Tour, ela passou a pedalar ao lado deles. O sorriso que exibiu após me contar este fato está até hoje na minha memória.
Mas o caso mais emblemático aconteceu antes. Américo vez ou outra aparecia em reportagens das TVs locais. Um dia, uma dessas reportagens ultrapassou os limites do Paraná e foi exibida em Goiânia. Um médico, que na época pesava cento e vinte quilos, não teve dúvidas, pegou um avião para Curitiba. Era uma sexta feira quando entrou em um taxi no aeroporto e disse que queria achar uma loja de bike localizada perto de um parque onde o pessoal pedalava. O motorista o levou ao Barigui, o maior parque da cidade, sempre cheio de bikes. Por ali nada encontraram. Além disso, as imagens que ele havia visto não combinavam. Descreveu melhor o que viu e o motorista entendeu que se tratava do São Lourenço. Chegando perto, o médico reconheceu o local e aportou na Bike Tour com malas e tudo mais. Em minutos já estava começando seu curso.
Américo recorda que achou que não ia conseguir, pois quando mais pesada é a pessoa, mais complicado fica o trabalho. Mas a determinação do médico era tanta que não havia alternativa. Na sexta ele botou as pernas para mexer ainda preso no rolo de treinamento. No sábado fez o Américo fortalecer os braços, apoiando-o nas primeiras pedaladas. Já no domingo a coisa parecia complicada, amanheceu chovendo, mas mesmo assim ele estava lá para continuar. E continuou. No meio da tarde, com chuva batendo no rosto, ele já rodava o estacionamento usado como pista de treino gritando “Eu estou pedalando, estou pedalando”.
Se ao ouvir essa história do Américo você fizer uma cara de incredulidade, ele pega o telefone, liga para saber como está seu amigo doutor e coloca você na linha com ele. Hoje, esse médico tem menos de noventa quilos e vai trabalhar de bike.
As histórias são muitas, mas o encanto de ajudar alguém a realizar o sonho de pedalar é algo que fascina. Acompanhar as aulas e perceber que o sorriso vai crescendo a cada metro a mais que o aluno consegue pedalar solto é emocionante. No vídeo que acompanha a reportagem fica mais fácil transmitir essa transformação. Por isso mesmo, mais do que falar dos efeitos, o nosso objetivo foi tentar contar com é esse processo de encantar uma bike e ajudar as pessoas a pedalar. Contando com a generosidade do Américo, fizemos um passo a passo do seu método.
O equilíbrio da bike
O que nos permite manter o equilíbrio sobre a bicicleta é a caixa de direção. Se você experimentar travá-la, verá que não consegue pedalar mais que alguns metros. O balanço que ela confere à bike é o que nos faz ficar sobre ela. A função principal do guidão é ajudar a corrigir o equilíbrio, mais do que virar a bike para os lados. E é justamente nesse ponto que os adultos fazem tudo errado.
Quando crianças, experimentamos tudo e ainda não temos muitas coisas registradas. São elas que nos fazem ficar cada dia mais duros. Por esse motivo, para os pimpolhos é mais fácil. Eles vão brincando com rodinhas, pegam o balanço e, quando se livram delas, já estão andando.
Para os adultos a coisa começa a complicar porque já racionalizamos tudo. Quando estamos na beira de um barranco e sentimos o equilíbrio fraquejar para o vazio, tendemos a pular para o lado contrário. Certo? Se transferirmos esse movimento intuitivo para a bike e tentarmos projetar o corpo para a esquerda ao sentirmos que vamos cair para a direita, a queda acontece mais rapidamente. Na bicicleta é o contrário. Se o corpo pender para a direita, você deve corrigir o guidão também para a direita para conduzir a bike para baixo do seu ponto de equilíbrio. Esse é o pulo do gato.
A principal aula do Américo é condicionar a pessoa a reagir nesse sentido: corpo caindo para direita, leve o guidão para direita e volta. Ele repete e treina a pessoa nesse movimento até sentir que entendeu.
Frear
Para um aprendizado sem traumas a melhor coisa é evitar uma queda. Para isso, basta que o candidato a pedaleiro aprenda a frear a bike. Como todo o processo deve ser feito no plano e em velocidade baixa, se ele souber parar a bike sem cair ao menor sinal de problemas, tudo vai bem.
E mais uma vez o trabalho é condicionar a pessoa a frear e colocar o pé no chão. Isso é repetido e testado várias vezes ainda com o apoio do Américo ao lado. Assim que ficar tranquilo, o aluno poderá ser solto ao vento. Se aparecerem problemas, agora ele sabe parar sem cair.
Pedalar
Tendo aprendido o principal, o resto é treino. A cada arrancada, a pessoa conta com a presença do Américo ao lado, mas cada vez menos ele toca ou ajuda. E gradualmente para de acompanhar mais cedo deixando a pessoa ir só. Depois de parar, ele faz o ciclista olhar para trás e ver o quanto pedalou. Essa distância vai crescendo juntamente com a confiança.
Nesse passo, só há mais uma coisa a ensinar: como arrancar. No fundo é treinar fazer o arranque para que a bike chegue aos 5 km/h, a velocidade em que o equilíbrio se apresenta. Para fazer a saída bem, o principal é estar confiante do resto do processo.
Curvas
Fazer curvas é algo natural assim que o ciclista estiver confiante. Para ajudar nesse processo, Américo sugere uma pequena mudança de curso na reta inicial. Apenas trocar de objetivo no meio do caminho. A pessoa larga mirando um lugar e na metade muda para um foco 5 metros mais a esquerda ou direita. Ele sente como reta, mas já está variando o curso e acostumando o corpo a recuperar o equilíbrio.
A continuação disso é ir para um lugar bem aberto onde o aprendiz pode pedalar em círculos sem perceber que está rodando. O parque São Lourenço oferece a pista ideal, pois ela é um oval plano com um quilômetro de extensão. É nesse local que acontece a formatura dos alunos do Américo.
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